Decisões
da maternidade – Rosely Sayão
Que
tal sermos mais acolhedores com quem faz escolhas diversas das que consideramos
as melhores?
A
vida não está fácil para muitas mulheres que pretendem ser mães em breve, que
já estão grávidas, que acabaram de ter bebê ou que já são mães de crianças
pequenas. De uns tempos para cá, inauguramos a era das patrulhas rigorosas
contra determinadas situações que envolvem o parto e a maternidade.
A
história toda começa com o parto: qual a melhor maneira de um bebê nascer? Não
há dúvida alguma de que a medicina colabora incrivelmente ao apontar como opção
a operação cesariana, mesmo quando desnecessária, se consideradas as condições
de evolução da gravidez e da saúde da mulher.
Vivemos
em tempos de medicalização da vida, e somos nós que valorizamos esse estilo, de
um jeito ou de outro. Só para você ter uma ideia, caro leitor, da força da
medicina em nossas vidas: em um trabalho feito por uma sala escolar de crianças
de cinco anos, um projeto averiguava quase tudo sobre o nascimento dos alunos,
e eles trouxeram de casa a ficha preenchida no hospital. Na sala de 19 alunos,
14 deles haviam chegado ao mundo por meio da cesariana. Uma proporção
desnaturada, sem dúvida!
O
problema é que, para combater um desvio da medicina –da medicina, e não de
médicos!–, escolhemos colocar as mulheres que se submetem a tal pressão no
foco. Há mulheres que têm medo do parto e da dor; há mulheres que avaliam ser a
operação a melhor escolha possível a elas; há mulheres que receiam ir contra a
sugestão de seu médico, em quem confiam; e há mulheres que, simplesmente,
querem que seu parto seja assim e ponto final.
Depois
do parto, vem a questão da amamentação e, de novo, há pressão e discordâncias
entre profissionais das ciências da saúde. Amamentar é bom, disso ninguém
duvida. Por quanto tempo? Em qualquer contexto? Novamente, nos deparamos com
movimentos fortes que promovem a amamentação, sem perdoar as mulheres que ou
não podem, ou não conseguem, ou não querem amamentar.
Logo
em seguida, tem a chegada do bebê em casa: cama compartilhada? Quarto
compartilhado? Sono autônomo? E lá vêm novas verdades de grupos barulhentos que
também penalizam mulheres que fazem escolhas diferentes, mesmo sem querer.
Eu
poderia continuar com essa lista enorme de movimentos favoráveis a uma
determinada situação e contrárias a todas as outras, mas prefiro deixar para as
mulheres, principalmente, uma reflexão.
Ter
um filho não é fácil desde o princípio, antes de ele nascer. Aliás, ser mulher
e ser mãe, em pleno século 21, ainda é bem difícil: temos muito o que
enfrentar. Então, que tal se as lutas sociais que travamos e que envolvem a
maternidade fossem mais acolhedoras com as mulheres que fazem escolhas diversas
das que consideramos as melhores?
Foi
uma jovem mulher, prestes a dar à luz, que me comoveu tanto com suas questões
que me inspirou a ter esta conversa. Ela disse que buscou informações a
respeito do parto e chegou à conclusão de que o parto natural e em casa seria a
melhor opção para o filho. Desde que considerou essa possibilidade, porém, anda
aflita, não dorme mais, e sente-se culpada antecipadamente, caso escolha a
operação cesariana, mais tranquila para ela.
O
ser humano é complexo: temos desejos, anseios, sonhos, mas nem sempre temos as
condições necessárias –físicas, emocionais e sociais– para dar concretude a
eles. Por isso, nem sempre fazemos as melhores escolhas: fazemos as possíveis,
e isso se aplica a cada uma de nós.
Fonte:
Folha de São Paulo, 24 de fevereiro